terça-feira, 28 de setembro de 2010

7 de setembro 2009

Alunos da escola Jonathas pontes Athias - Educando para a Vida


Momento marcante

Estive presente na solenidade do 1º concurso de blog

Esse texto da Ruth Rocha é bem interessante...

 Quando a escola é de vidro...

Ruth Rocha

Naquele tempo eu até que achava natural que as coisas fossem daquele jeito.Eu nem desconfiava que existissem lugares muito diferentes...Eu ia pra escola todos os dias de manhã e quando chagava, logo, logo, eu tinha que me meter no vidro.É, no vidro!Cada menino ou menina tinha um vidro e o vidro não dependia do tamanho de cada um, não!O vidro dependia da classe em que a gente estudava.Se você estava no primeiro ano ganhava um vidro de um tamanho.Se você fosse do segundo ano seu vidro era um pouquinho maior.E assim, os vidros iam crescendo á medida em que você ia passando de ano.Se não passasse de ano era um horror.Você tinha que usar o mesmo vidro do ano passado.Coubesse ou não coubesse.Aliás nunca ninguém se preocupou em saber se a gente cabia nos vidros.E pra falar a verdade, ninguém cabia direito.Uns eram muito gordos, outros eram muito grandes, uns eram pequenos e ficavam afundados no vidro, nem assim era confortável.Os muitos altos de repente se esticavam e as tampas dos vidros saltavam longe, ás vezes até batiam no professor.Ele ficava louco da vida e atarrachava a tampa com força, que era pra não sair mais.A gente não escutava direito o que os professores diziam, os professores não entendiam o que a gente falava...As meninas ganhavam uns vidros menores que os meninos.Ninguém queria saber se elas estavam crescendo depressa, se não cabia nos vidros, se respiravam direito...A gente só podia respirar direito na hora do recreio ou na aula de educação física.Mas aí a gente já estava desesperado, de tanto ficar preso e começava a correr, a gritar, a bater uns nos outros.As meninas, coitadas, nem tiravam os vidros no recreio. e na aula de educação física elas ficavam atrapalhadas, não estavam acostumadas a ficarem livres, não tinha jeito nenhum para Educação Física.Dizem, nem sei se é verdade, que muitas meninas usavam vidros até em casa.E alguns meninos também.Estes eram os mais tristes de todos.Nunca sabiam inventar brincadeiras, não davam risada á toa, uma tristeza!Se agente reclamava?Alguns reclamavam.E então os grandes diziam que sempre tinha sido assim; ia ser assim o resto da vida.Uma professora, que eu tinha, dizia que ela sempre tinha usado vidro, até pra dormir, por isso que ela tinha boa postura.Uma vez um colega meu disse pra professora que existem lugares onde as escolas não usam vidro nenhum, e as crianças podem crescer a vontade.Então a professora respondeu que era mentira, que isso era conversa de comunistas. Ou até coisa pior...Tinha menino que tinha até de sair da escola porque não havia jeito de se acomodar nos vidros. E tinha uns que mesmo quando saíam dos vidros ficavam do mesmo jeitinho, meio encolhidos, como se estivessem tão acostumados que até estranhavam sair dos vidros.Mas uma vez, veio para minha escola um menino, que parece que era favelado, carente, essas coisas que as pessoas dizem pra não dizer que é pobre.Aí não tinha vidro pra botar esse menino.Então os professores acharam que não fazia mal não, já que ele não pagava a escola mesmo...Então o Firuli, ele se chamava Firuli, começou a assistir as aulas sem estar dentro do vidro.O engraçado é que o Firuli desenhava melhor que qualquer um, o Firuli respondia perguntas mais depressa que os outros, o Firuli era muito mais engraçado...E os professores não gostavam nada disso...Afinal, o Firuli podia ser um mal exemplo pra nós...E nós morríamos de inveja dele, que ficava no bem-bom, de perna esticada, quando queria ele espreguiçava, e até mesmo que gozava a cara da gente que vivia preso.Então um dia um menino da minha classe falou que também não ia entrar no vidro.Dona Demência ficou furiosa, deu um coque nele e ele acabou tendo que se meter no vidro, como qualquer um.Mas no dia seguinte duas meninas resolveram que não iam entrar no vidro também:- Se o Firuli pode por que é que nós não podemos?Mas Dona Demência não era sopa.Deu um coque em cada uma, e lá se foram elas, cada uma pro seu vidro...Já no outro dia a coisa tinha engrossado.Já tinha oito meninos que não queriam saber de entrar nos vidros.Dona Demência perdeu a paciência e mandou chamar seu Hermenegildo que era o diretor lá da escola.Seu Hermenegildo chegou muito desconfiado:- Aposto que essa rebelião foi fomentada pelo Firuli. É um perigo esse tipo de gente aqui na escola. Um perigo!A gente não sabia o que é que queria dizer fomentada, mas entendeu muito bem que ele estava falando mal do Firuli.E seu Hermenegildo não conversou mais. Começou a pegar as meninos um por um e enfiar á força dentro dos vidros.Mas nós estávamos loucos para sair também, e pra cada um que ele conseguia enfiar dentro do vidro - já tinha dois fora.E todo mundo começou a correr do seu Hermenegildo, que era pra ele não pegar a gente, e na correria começamos a derrubar os vidros.E quebramos um vidro, depois quebramos outro e outro mais dona Demência já estava na janela gritando - SOCORRO! VÂNDALOS! BÀRBAROS!(pra ela bárbaro era xingação).Chamem o Bombeiro, o exército da Salvação, a Polícia Feminina...Os professores das outras classes mandaram cada um, um aluno para ver o que estava acontecendo.E quando os alunos voltaram e contaram a farra que estava na 6° série todo mundo ficou assanhado e começou a sair dos vidros.Na pressa de sair começaram a esbarrar uns nos outros e os vidros começaram a cair e a quebrar.Foi um custo botar ordem na escola e o diretor achou melhor mandar todo mundo pra casa, que era pra pensar num castigo bem grande, pro dia seguinte.Então eles descobriram que a maior parte dos vidros estava quebrada e que ia ficar muito caro comprar aquela vidraria tudo de novo.Então diante disso seu Hermenegildo pensou um pocadinho, e começou a contar pra todo mundo que em outros lugares tinha umas escolas que não usavam vidro nem nada, e que dava bem certo, as crianças gostavam muito mais.E que de agora em diante ia ser assim: nada de vidro, cada um podia se esticar um bocadinho, não precisava ficar duro nem nada, e que a escola agora ia se chamar Escola Experimental.Dona Demência, que apesar do nome não era louca nem nada, ainda disse timidamente:- Mas seu Hermenegildo, Escola Experimental não é bem isso...Seu Hermenegildo não se pertubou:- Não tem importância. A gente começa experimentando isso. Depois a gente experimenta outras coisas...E foi assim que na minha terra começaram a aparecer as Escolas Experimentais.Depois aconteceram muitas coisas, que um dia eu ainda vou contar...

domingo, 26 de setembro de 2010

PEDAGOGIA DE PROJETOS

Em maio de 2002 participei de uma formação sob a coordenação da professora Adriana Gandin. A temática era pedagogia de projetos. Na época eu tinha apenas um ano e meio de experiência como docente e a formação veio muito oportuna, pois me ajudou a incrementar minhas aulas além de esclarecer muitas dúvidas que eu tinha sobre a ação docente.

A pouco tínhamos discutido sobre avaliação e algumas questões não queriam calar: “O que então, por no lugar das notas, dos conteúdos preestabelecidos? Que coisas nossas crianças e adolescentes precisam realmente aprender\discutir?”

                Considerando esses questionamentos percebemos que através da metodologia de projetos seria possível dinamizar a ação docente na sala de aula e (re)significar os conteúdos que a escola ministra, isto porque segundo a autora:
·         Abre a perspectiva para a construção do conhecimento a partir de questões reais;
·         Incentivam atitudes de cooperação, solidariedade, responsabilidades, respeito ao outro;
·         Possibilita o estudo de temas vitais no horizonte político-pedagógico da comunidade e ao mesmo tempo no interesse do aluno;
·         Permite a participação de todos, porque é da essência do projeto levar as pessoas ao fazer, ao trabalho cooperativo e a solidariedade;
·         Permite á criança desfrutar o que vai aprendendo, a partir de atividade significativa;
·         Oportuniza que a criança viva uma experiência de verdadeira interação, discussão e troca de pontos de vista sobre diversos materiais e conteúdos variados;
·         Parte e valoriza os conhecimentos que a criança possui sobre o tema em estudo e respeita os diferentes modos de aprende;
·         Favorece a elaboração de conclusões e descobertas grupais, dentre outras vantagens.

ESQUEMA DE UM PROJETO

1.       INCENTIVO
2.       FORMULAÇÃO DO PROPÓSITO
3.       PLANO COOPERATIVO (O que queremos pesquisar? Para que queremos? Como iremos fazer?)
4.       DESENVOLVIMENTO
5.       CULMINÂNCIA
6.       AVALIAÇÃO E AUTOAVALIAÇÃO

O PAPEL DO DOCENTE DURANTE O DESENVOLVIMENTO DO PROJETO
·         Especificar o fio condutor (O que se pode aprender com o projeto)
·         Buscar materiais
·         Estudar e preparar o tema
·         Envolver os componentes do grupo
·         Destacar o sentido atual do projeto
·         Manter uma atitude de avaliação
·         Recapitular o processo seguido

APLICABILIDADE (Vejam como é simples)

- Planejamento cooperativo

Exemplo I:
I. o que queremos fazer?
- Queremos estudar o corpo humano
II. para queremos fazer?
- Para descobrir mais sobre o nosso corpo e o seu funcionamento. No final faremos um álbum com todas as informações e as descobertas que fizemos
III. Como iremos fazer?
Iremos assumir as seguintes tarefas:
-Pesquisar em livros, revistas e na internet
-Fazer tarefa em sala de aula e em casa sobre o assunto
-Estudar os órgãos do nosso corpo e os três sentidos (tato, olfato, paladar, visão)
-Ler textos informativos
-Fazer figurinhas e colar no álbum



















Exemplo II:
I. o que queremos fazer?
- Queremos escrever um livro de poesias
II. para queremos fazer?
- Para guardar todas as poesias que nós inventamos
III. Como iremos fazer?
Iremos assumir as seguintes tarefas:
-ler muitos livros de poesia
-Escrever poesias
-ler e cantar músicas que tenham rimas
-fazer tarefas sobre rimas














Exemplo III:
I. o que queremos fazer?
- Queremos conservar os recursos materiais que temos na escola
II. para queremos fazer?
- Para garantir o maior aproveitamento dos recursos
- para que os materiais adquiridos pela escola tenham maior durabilidade
III. Como iremos fazer?
Iremos assumir as seguintes tarefas:
-pesquisar a origem dos recursos que vem para a escola
- fazer uma comparação do que temos com o que já foi comprado
- definir meios de como podemos preservar
- Listar a utilidade dos bens adquiridos
Produzir cartazes com frases de impacto para divulgar a campanha
- Fotografar flagrante de ações destruidoras e ou materiais destruídos para se discutir atitudes
-Visitar os espaços da escola para identificar marcas de destruição


























Com essas orientações em mãos, ao retornar para a escola explicitei a ideia para a turma. Dividi a turma em cinco grupos. Cada grupo escolheu uma das temáticas que elencamos juntos no quadro e desenvolveram o planejamento cooperativo. Esta era uma turma de 3ª série. Pena que eu não fiquei com a turma até o final do ano para ver a conclusão.


OBS: caso eu encontre em meus registros 

MEMÓRIA DAS REUNIÕES COM AS EQUIPES DE SETORES

Querida amiga Tereza

Vivenciei muitos momentos inesquecíveis ao lado da Professora Tereza na escola Jonathas Pontes Athias. Lembro-me carinhosamente das reuniões que realizávamos com as equipes de setores. Quantas aprendizagens foram possíveis desenvolver.... Saudades desse período!
Lembro-me que em uma das reuniões com a equipe de coordenação Ela nos disse que “na escola a nossa maior força são os alunos e em segundo lugar os educadores. O princípio a nos guiar é acreditar em cada um... Que todos são capazes de aprender... nossa ação tem como foco o aluno...”
Na mesma ocasião Ela levantou a seguinte pergunta: “Como garantir o direito de aprender¿” . A intenção era lançar esse questionamento para todos os participes do processo educativo... Foi consenso a percepção de que os alunos gostam da escola... Assim sendo o nosso desafio seria dar qualidade ao tempo de permanência deles na escola. O que certamente não é tarefa fácil.
Discutimos ainda a necessidade de se aplicar a gestão institucional, pois geralmente a avaliação da aprendizagem é centrada no aluno e pouco nos auto-avaliamos. O fato é que se não nos avaliamos outros vêm e nos avaliam.
Foi dito ainda que temos que puxar as forças que temos disponível e isso só é possível com avaliação.

CURRÍCULO E AVALIAÇÃO - continuando a conversa

Continuando os pontos abordados por Carrílho na formação que citei no texto anterior abordaremos agora as discussões em torno da avaliação. Segundo o autor a Avaliação é instrumento de aprendizagem individual e coletiva e deve ser construída em conjunto com os alunos.

Objetivo é avaliar para auxiliar o aluno em todas as suas dimensões constitutivas. Para ajudar  a identificar os aspectos interferentes. Decidir juntos. valorizar. Construir em conjunto. Incluir. Apoiar. Incentivar. O erro deve ser visto como acontecimento, fonte de aprendizagem, ponto de partida, autocompreensão, busca participativa.

Embora o autor não tenha citado. A concepção apresentada tempos depois foi chamada de Avaliação diagnóstica, bastante abordada nas escolas e  bastante citada pelos educadores, mas que tem custado por em prática. Isto porque muitos entraves ainda interferem negativamente no processo avaliativo. Um desses entraves é a ideia equivocada atrelada a promoção automática que acontece nas escolas em regime de ciclos de formação em que há quem afirme que "se o aluno souber que não se reprova ai  é que ele não estuda, não se esforça". Na verdade é a nota que corrompe o aluno, a medida que ele só faz o trabalho, só estuda para adquiri-la. Romper com essas visão ainda é um desafio.

CURRÍCULO E AVALIAÇÃO

(Re)visitando algumas páginas de um de meus antigos cadernos de registro me deparei com o registro dos dados levantados em um  estudo que participei, juntamente com os demais professores da rede,  sobre Currículo e Avaliação ministrado pelo professor CARRÍLHO em 2004. A leitura me fez lembrar de alguns pontos bem interessantes.
         Um dos pontos abordados dizia que "não adianta discutir como fazer? se não se sabe  para que fazer?"  Essa parte da fala de Carrilho referia-se a importância de se ter clareza dos fins que se quer alcançar com determinado conteúdo de ensino e por vez com a educação. Certamente isto faz um diferencial muito grande quando se entende que a "educação é para a vida". Daí uma questão a se pensar é que vida é essa ou que realidade é essa que pretendemos construir ou que nossos alunos construam, vivenciem?
       Um fato que não se pode esquecer dizia Carrílho é que a escola tem que ser "vida" e não "expectativa"
         O que fundamenta esta idéia é o entendimento de "currículo como construção social". É pensar na ação de pessoas concretas e não idéias transcendentais, desvinculadas dos sujeitos produtores da ação concreta. Pensando deste modo havemos de convir que de fato os currículos escolares precisam passar por um processo de (re)significação. Isto é inegavel.   
         Mas, como fazer ísso? se também não se  pode desconsiderar que no processo de construção social há forças sociais que formam o contexto na qual se insere a ação intelectual coletiva.   
 A ênfase primária de qualquer modelo de competência,não está nos deficits de SER, mas nos poderes de TORNAR-SE (William Doll)
         Com essas palavras foi trabalhado o conceito de currículo relacional, isto é  fruto da ação histórica construida numa relação coletiva e tem sua explicação no contexto em que é desenvolvido.
          Como estrutura relacional  supera-se o entendido de currículo como um composto agregado de disciplinas isoladas, incompativel com uma compreensão sistêmica da realidade bio-fisica-psico-social. 
         Essa compreensão pressupõe que tudo esta em relação. Os sistemas estão em relação entre si a tal ponto que se pode dizer do sistema de ESPAÇOS EM MOVIMENTO.
         Agrega-se a esta, a compreensão de currículo como intervenção e ação subjetivas de docentes e discentes, interessados em dar sentido ao mundo em que de fato vivem (Greene e Young)
         Currículo como processo transformativo de construção pessoal e social, composto por interações complexas, espontâneas.
        
         Como então superar a estrutura curricular "disciplinarizada" nas atuais condições das escolas?
         Este é um questionamento  ainda sem resposta, mas o autor apresentou algumas pistas que discorrem sobre:
  • Apoio formal e incentivo por parte da direção
  • Ousadia pedagogica
  • Competência profissional
  • Convicção para enfrentar resistências
  • Reuniões semanais para aprofundamento teórico, acompanhamento e avaliação
  • Fundamentação teórica para enfrentar as dificuldades que forçosamente se introduzem novas práticas em sala de aula...
        Competência é a capacidade que uma pessoa (ou grupo) têm de mobilizar recursos (ações, conhecimentos, atitudes individuais ou coletivas) para enfrentar, superar e/ou administrar situações complexas e atingir os fins a que se propõe.
        Vejamos o quadro apresentado pelo autor:


COMPETÊNCIA COGNITIVA
APRENDER A CONHECER
SABER FORMALIZADO
COMPETÊNCIA PESSOAL
APRENDER A SER
SABER SER
COMPETÊNCIA SOCIAL
APRENDER A CONVIVER
SABER CONVIVER
COMPETÊNCIA PRODUTIVA
APRENDER A FAZER
SABER FAZER

         Com o quadro conclui-se que:
         Não há competência sem conhecimento
         Não é qualquer conhecimento que gera competência
         Não é só o conhecimento que produz a competência


         O Conhecimento necessário a competência é o conhecimento significativo.


         Um dos caminhos apontados para (re)significação do currículo foi a metodologia de projetos.

         Para dispor sobre o assunto foi proposto ao grupo a seguinte atividade:
1. Relacionar as competências necessárias  a série/ciclo
2. Relacionar quais habilidade alcançaria a competência
3. Lista para cada competência pelo menos 05 habilidades

A realização da atividade provocou muitas reflexões assim como o estudo de modo geral e poder revisa-lo hoje me fez pensar que a forma como tentamos direcionar a organização curricular  na escola Jonathas casa bem com a proposta aqui discutida.

sábado, 25 de setembro de 2010

SOBRE LEITURA NA ESCOLA

Esse é um recorte de um estudo que realizei por título “Tratamento Didático do Ensino de leitura e suas Implicações na Formação de Leitores” sob a coordenação da professora Nilsa Brito do curso de letras UFPA\Marabá-Pa.
1.       
1.  Concepções de leitura

A aquisição da leitura é sem dúvida atividade fundamental a vida das pessoas, pois é esta que lhe dar maiores condições de perceber e vivenciar os diferentes saberes de seu universo lingüístico e cultural.
Várias concepções norteiam o conceito de leitura.

Segundo CAGLIARI (1997) a leitura é uma decifração e uma decodificação. O leitor deverá em primeiro lugar decifrar à escrita depois entender a linguagem encontrada, em seguida decodificar todas as implicações que o texto tem, e finalmente, refletir sobre isso e formar o próprio conhecimento e opinião a respeito do que leu.

Neste  caso o autor referia-se de modo particular a leitura lingüística, baseada na convencionalidade da representação gráfica, observa-se, contudo, que mesmo referindo-se a leitura restrita quando este faz menção a ‘formação de conhecimentos próprios’ deixa evidências de que o ato de ler exige mais do que a pura e simples decodificação.

FREIRE (1982) apresenta maiores detalhes desta relação ao afirmar que a leitura de mundo precede a leitura da palavra e a leitura desta implica a continuidade da leitura daquele.

FERREIRO (1999) na mesma direção diz que a aprendizagem da leitura inicia-se muito antes do que a escola imagina, transcorre por caminhos insuspeitados caminhos.

LAJOLO (1999) afirma que ninguém nasce sabendo ler: aprende-se a ler à medida que se vive. Se ler livros geralmente se aprende nos bancos da escola, outras leituras se aprende por ai, na chamada escola da vida.

Desse modo, a leitura é concebida a partir da manifestação do sujeito sobre o objeto lido e para além do objeto lido.

Perpassa por um processo em que o ponto de partida é o próprio sujeito. Portanto, é uma atividade de caráter subjetiva e social porque tem relação com um contexto mais amplo, com os valores e propriedades instituídas no contexto de produção que permeiam o processo de comunicação

De modo geral pode se dizer que a realização da leitura envolve os mesmos elementos que permeiam o processo de comunicação, a relação comum existente entre um “eu” e um “tu”. Assim como o diálogo se processa pela relação entre seus interlocutores, de igual modo ocorre com a leitura, o que diferencia, porém é que este diálogo é traçado com o texto a partir das impressões deixadas pelo autor e mediatizadas pelo conhecimento de mundo do leitor.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Da Conquista do espaço de formação para Coordenadores Pedagogicos em Marabá

     Em 2007 tive o prazer de participar como cursista da formação para Coordenadores Pedagógicos em Marabá. A conquista deste espaço era um desejo a muito acalentado pelos coordenadores do nosso município. Aprendi que na educação temos várias possibilidades de atuação. podemos trilhar por vários caminhos ou por um único caminho, mas o foco deve ser sempre o aluno que é o público alvo da ação da escola. As vezes a complexitude pode vir a nos fazer perder o foco, mas a sensibilização do sentir a prática é que nos faz direcionar ações  para melhoria do ensino.
    
      Muitas vezes me angustiei por querer respostas rápidas ao ensino... mas com o tempo pude perceber que educação exige tempo...

   

    
"Se desejamos que nosso ensino seja uma arte, necessitamos utilizar tudo aquilo que sabemos, sentimos e cremos, a fim de criar algo belo" 
(CALKINS)

terça-feira, 21 de setembro de 2010

A pipoca
Rubem Alves



A culinária me fascina. De vez em quando eu até me até atrevo a cozinhar. Mas o fato é que sou mais competente com as palavras do que com as panelas.


Por isso tenho mais escrito sobre comidas que cozinhado. Dedico-me a algo que poderia ter o nome de "culinária literária". Já escrevi sobre as mais variadas entidades do mundo da cozinha: cebolas, ora-pro-nobis, picadinho de carne com tomate feijão e arroz, bacalhoada, suflês, sopas, churrascos.


Cheguei mesmo a dedicar metade de um livro poético-filosófico a uma meditação sobre o filme A Festa de Babette que é uma celebração da comida como ritual de feitiçaria. Sabedor das minhas limitações e competências, nunca escrevi como chef. Escrevi como filósofo, poeta, psicanalista e teólogo — porque a culinária estimula todas essas funções do pensamento.


As comidas, para mim, são entidades oníricas.


Provocam a minha capacidade de sonhar. Nunca imaginei, entretanto, que chegaria um dia em que a pipoca iria me fazer sonhar. Pois foi precisamente isso que aconteceu.


A pipoca, milho mirrado, grãos redondos e duros, me pareceu uma simples molecagem, brincadeira deliciosa, sem dimensões metafísicas ou psicanalíticas. Entretanto, dias atrás, conversando com uma paciente, ela mencionou a pipoca. E algo inesperado na minha mente aconteceu. Minhas idéias começaram a estourar como pipoca. Percebi, então, a relação metafórica entre a pipoca e o ato de pensar. Um bom pensamento nasce como uma pipoca que estoura, de forma inesperada e imprevisível.


A pipoca se revelou a mim, então, como um extraordinário objeto poético. Poético porque, ao pensar nelas, as pipocas, meu pensamento se pôs a dar estouros e pulos como aqueles das pipocas dentro de uma panela. Lembrei-me do sentido religioso da pipoca. A pipoca tem sentido religioso? Pois tem.


Para os cristãos, religiosos são o pão e o vinho, que simbolizam o corpo e o sangue de Cristo, a mistura de vida e alegria (porque vida, só vida, sem alegria, não é vida...). Pão e vinho devem ser bebidos juntos. Vida e alegria devem existir juntas.


Lembrei-me, então, de lição que aprendi com a Mãe Stella, sábia poderosa do Candomblé baiano: que a pipoca é a comida sagrada do Candomblé...


A pipoca é um milho mirrado, subdesenvolvido.


Fosse eu agricultor ignorante, e se no meio dos meus milhos graúdos aparecessem aquelas espigas nanicas, eu ficaria bravo e trataria de me livrar delas. Pois o fato é que, sob o ponto de vista de tamanho, os milhos da pipoca não podem competir com os milhos normais. Não sei como isso aconteceu, mas o fato é que houve alguém que teve a idéia de debulhar as espigas e colocá-las numa panela sobre o fogo, esperando que assim os grãos amolecessem e pudessem ser comidos.


Havendo fracassado a experiência com água, tentou a gordura. O que aconteceu, ninguém jamais poderia ter imaginado.


Repentinamente os grãos começaram a estourar, saltavam da panela com uma enorme barulheira. Mas o extraordinário era o que acontecia com eles: os grãos duros quebra-dentes se transformavam em flores brancas e macias que até as crianças podiam comer. O estouro das pipocas se transformou, então, de uma simples operação culinária, em uma festa, brincadeira, molecagem, para os risos de todos, especialmente as crianças. É muito divertido ver o estouro das pipocas!


E o que é que isso tem a ver com o Candomblé? É que a transformação do milho duro em pipoca macia é símbolo da grande transformação porque devem passar os homens para que eles venham a ser o que devem ser. O milho da pipoca não é o que deve ser. Ele deve ser aquilo que acontece depois do estouro. O milho da pipoca somos nós: duros, quebra-dentes, impróprios para comer, pelo poder do fogo podemos, repentinamente, nos transformar em outra coisa — voltar a ser crianças! Mas a transformação só acontece pelo poder do fogo.


Milho de pipoca que não passa pelo fogo continua a ser milho de pipoca, para sempre.


Assim acontece com a gente. As grandes transformações acontecem quando passamos pelo fogo. Quem não passa pelo fogo fica do mesmo jeito, a vida inteira. São pessoas de uma mesmice e dureza assombrosa. Só que elas não percebem. Acham que o seu jeito de ser é o melhor jeito de ser.


Mas, de repente, vem o fogo. O fogo é quando a vida nos lança numa situação que nunca imaginamos. Dor. Pode ser fogo de fora: perder um amor, perder um filho, ficar doente, perder um emprego, ficar pobre. Pode ser fogo de dentro. Pânico, medo, ansiedade, depressão — sofrimentos cujas causas ignoramos.Há sempre o recurso aos remédios. Apagar o fogo. Sem fogo o sofrimento diminui. E com isso a possibilidade da grande transformação.


Imagino que a pobre pipoca, fechada dentro da panela, lá dentro ficando cada vez mais quente, pense que sua hora chegou: vai morrer. De dentro de sua casca dura, fechada em si mesma, ela não pode imaginar destino diferente. Não pode imaginar a transformação que está sendo preparada. A pipoca não imagina aquilo de que ela é capaz. Aí, sem aviso prévio, pelo poder do fogo, a grande transformação acontece: PUF!! — e ela aparece como outra coisa, completamente diferente, que ela mesma nunca havia sonhado. É a lagarta rastejante e feia que surge do casulo como borboleta voante.


Na simbologia cristã o milagre do milho de pipoca está representado pela morte e ressurreição de Cristo: a ressurreição é o estouro do milho de pipoca. É preciso deixar de ser de um jeito para ser de outro.


"Morre e transforma-te!" — dizia Goethe.


Em Minas, todo mundo sabe o que é piruá. Falando sobre os piruás com os paulistas, descobri que eles ignoram o que seja. Alguns, inclusive, acharam que era gozação minha, que piruá é palavra inexistente. Cheguei a ser forçado a me valer do Aurélio para confirmar o meu conhecimento da língua. Piruá é o milho de pipoca que se recusa a estourar.


Meu amigo William, extraordinário professor pesquisador da Unicamp, especializou-se em milhos, e desvendou cientificamente o assombro do estouro da pipoca. Com certeza ele tem uma explicação científica para os piruás. Mas, no mundo da poesia, as explicações científicas não valem.


Por exemplo: em Minas "piruá" é o nome que se dá às mulheres que não conseguiram casar. Minha prima, passada dos quarenta, lamentava: "Fiquei piruá!" Mas acho que o poder metafórico dos piruás é maior.


Piruás são aquelas pessoas que, por mais que o fogo esquente, se recusam a mudar. Elas acham que não pode existir coisa mais maravilhosa do que o jeito delas serem.


Ignoram o dito de Jesus: "Quem preservar a sua vida perdê-la-á".A sua presunção e o seu medo são a dura casca do milho que não estoura. O destino delas é triste. Vão ficar duras a vida inteira. Não vão se transformar na flor branca macia. Não vão dar alegria para ninguém. Terminado o estouro alegre da pipoca, no fundo a panela ficam os piruás que não servem para nada. Seu destino é o lixo.


Quanto às pipocas que estouraram, são adultos que voltaram a ser crianças e que sabem que a vida é uma grande brincadeira...


"Nunca imaginei que chegaria um dia em que a pipoca iria me fazer sonhar. Pois foi precisamente isso que aconteceu".

O texto acima foi extraído do jornal "Correio Popular", de Campinas (SP), onde o escritor mantém coluna bissemanal.


 Urubus e sabiás
Rubem Alves



"Tudo aconteceu numa terra distante, no tempo em que os bichos falavam... Os urubus, aves por natureza becadas, mas sem grandes dotes para o canto, decidiram que, mesmo contra a natureza eles haveriam de se tornar grandes cantores. E para isto fundaram escolas e importaram professores, gargarejaram dó-ré-mi-fá, mandaram imprimir diplomas, e fizeram competições entre si, para ver quais deles seriam os mais importantes e teriam a permissão para mandar nos outros. Foi assim que eles organizaram concursos e se deram nomes pomposos, e o sonho de cada urubuzinho, instrutor em início de carreira, era se tornar um respeitável urubu titular, a quem todos chamam de Vossa Excelência. Tudo ia muito bem até que a doce tranqüilidade da hierarquia dos urubus foi estremecida. A floresta foi invadida por bandos de pintassilgos tagarelas, que brincavam com os canários e faziam serenatas para os sabiás... Os velhos urubus entortaram o bico, o rancor encrespou a testa , e eles convocaram pintassilgos, sabiás e canários para um inquérito.


— Onde estão os documentos dos seus concursos? E as pobres aves se olharam perplexas, porque nunca haviam imaginado que tais coisas houvessem. Não haviam passado por escolas de canto, porque o canto nascera com elas. E nunca apresentaram um diploma para provar que sabiam cantar, mas cantavam simplesmente...


— Não, assim não pode ser. Cantar sem a titulação devida é um desrespeito à ordem.


E os urubus, em uníssono, expulsaram da floresta os passarinhos que cantavam sem alvarás...


MORAL: Em terra de urubus diplomados não se houve canto de sabiá."


O texto acima foi extraído do livro "Estórias de quem gosta de ensinar — O fim dos Vestibulares", editora Ars Poetica — São Paulo, 1995, pág. 81.


TROCAS E + TROCAS LEGAIS

     Quem trabalha com a coordenação de professores sabe o quanto é importante proporcionar ao grupo o "Alimento" estimulador do pensamento reflexivo. Refiro-me as Leituras Compartilhadas, Slids show's, vídeos e músicas que dão abertura as Reuniões Pedagogicas e que podem ser utilizadas para propósitos diversos. Considero a escolha do recurso a ser utilizado nestes momentos bastante difícil. Pensando nisso, é que resolvi expor abaixo algumas dicas de textos que considero legais para esses momentos. Boa leitura e Sucesso com o grupo de Voces.

PROCESSOS DE FORMULAÇÃO TEXTUAL



O texto que segue abaixo é parte integrante  Trabalho de Conclusão de Curso que elaborei junto com minha querida amiga Silvania Bispo Feitosa no curso de Licenciatura em LETRAS da UFPA. Trata do processo de Formulação de texto com foco na produção escrita.


1. Gêneros textuais – orientadores discursivos


O gênero é o espaço de verbalização das práticas sociais de linguagem, portanto, o desenvolvimento da competência comunicativa se dá pela utilização dos vários gêneros, sejam eles orais ou escritos, pois são os que orientam a ação discursiva.
A apropriação dos gêneros do discurso permite ao homem operar sobre ele, aperfeiçoando-o, ressignificando-o para cumprir seus propósitos. Semelhantemente ocorre com o gênero textual, por sua condição representacional, histórico-cultural com características relativamente estáveis, possibilitando ao homem operar esquemas de representações.
Em outras palavras, pode-se dizer que os gêneros materializam o texto e, como todo texto ocorre em dada situação sócio-comunicativa, eles são dotados de intenções, propósitos, finalidades, objetivos.  Visto desse modo, os gêneros viabilizam de certa forma o dizer, contudo, este dizer também é determinado pelas concepções, ideologias e conhecimentos de mundo do sujeito, possibilitando sua ação e dotando-o de capacidade para agir sobre sua produção.
A esse respeito Bakhtin (1997) ressalta que os gêneros do discurso apresentam três dimensões essenciais e indissociáveis: os temas, que são conteúdos ideologicamente conformados, que se tornam comunicáveis, (dizíveis) através do gênero; os elementos das estruturas comunicativas e semióticas compartilhadas pelos textos pertencentes ao gênero (forma composicional); as configurações específicas das unidades de linguagem, traços da posição enunciativa do locutor e da forma composicional do gênero (marcas lingüísticas ou estilo).
Importante ressaltar que essas dimensões parecem ter relação com o postulado de Koch (2003) a respeito da memória de curto termo (MCT) e da memória de longo termo (MLT), das quais trataremos mais adiante. Entendemos terem essas relações com as experiências lingüísticas e sociais com que o sujeito vivencia e que o dota de conhecimentos  que ficam armazenados em sua memória  servindo posteriormente  como ponto de ancoragem para as informações novas e/ou  modelo/ referencial (protótipos e estereótipos) para novas construções comunicativas.
Segundo Brait (2006) o gênero discursivo diz respeito às coerções estabelecidas entre as diferentes atividades humanas e aos usos da língua nessas atividades, ou seja, às coerções das práticas discursivas.
Dizer que os gêneros referenciam as práticas de linguagem não significa dizer que se trata de determinismo ou assujeitamento, mas que os textos entendidos como materialização do discurso, se constituem pelo processo de interação humana, ou seja, pela historicidade, portanto tudo o que se diz,  só e dizível por que foi constituído primeiramente no gênero e crivados socialmente para depois ser assimilado pelo sistema lingüístico.


[...] os enunciados e o tipo a que pertencem, ou seja, o gênero do discurso são as correias de transmissão que levam da história da sociedade à história da língua. Nenhum fenômeno novo (fonético, lexical, gramatical) pode entrar no sistema sem ter sido longamente testado e ter passado pelo acabamento do estilo-gênero. (BAKHTIN, 2000, p. 285)


[...] O querer dizer do locutor se realiza acima de tudo na escolha de um gênero do discurso. Essa escolha é determinada em função da especificidade de uma dada esfera da comunicação verbal, das necessidades de uma temática ( do objeto do sentido), do conjunto constituído dos parceiros, etc. Depois disso, o instinto discursivo do locutor, sem que este renuncie a sua individualidade e a sua subjetividade, adapta-se e ajusta-se ao gênero escolhido [..]  (BAKHTIN, 2000, P. 301)



É dessa forma que os gêneros funcionam como referentes tanto para a formulação quanto para a compreensão de um enunciado. Essa constatação revela um outro aspecto importante envolvido no processamento textual, a polissemia do discurso. Dentre outros aspectos evolvidos neste jogo discursivo, tem-se o sujeito, suas convicções, concepções e ideologias, a imagem que tem do interlocutor, o grau de proximidade, o contexto social de produção que influem no que dizer, por que dizer, como dizer e para quer dizer.


[...] Na realidade, toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de expressão a um em relação ao outro. Através da palavra, defino-me em relação ao outro, isto é, em última análise, em relação à coletividade. A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se ela se apóia sobre mim numa extremidade na outra apóia-se sobre meu interlocutor. A palavra é o território do locutor e do interlocutor. (BAKHTIN, 1997 p. 113)



                     
Sendo, portanto, os textos oriundos das esferas sociais, complexas e heterogêneas, também os gêneros se fazem bastante heterogêneos, o que leva Bakhtin a distingui-los em dois grupos, grupo dos gêneros primários (simples), que emergem nas esferas do cotidiano de forma espontânea, e os gêneros secundários (complexos) que são oriundos das esferas de relações públicas, do complexo jogo das relações e interações sociais muitas vezes mediadas pela escrita.
O gênero vem a se definir assim como instrumento semiótico, mediador das atividades comunicativas humanas, para qual a escola cumpre papel importantíssimo para sua aprendizagem, uma vez que por serem os gêneros secundários de natureza complexa e imbricada nas relações sociais também complexas, sua apropriação necessita de aprendizagem, diferentemente do gênero primário que é assimilado espontâneo e inconscientemente pelo aprendiz, o que tem importantes conseqüências no ensino - aprendizado da língua materna.




2. O que é texto: Aspectos ideológicos e sócio-culturais



Conceituar texto é algo bastante complexo, em virtude da diversidade de termos, também complexos, relacionados a sua significação.
A palavra texto etimologicamente é oriunda do latim textum, que significa tecido, tela, trama, entrelaçado.  Esses termos dão idéia de  teias de relações, ou seja, a interligação de elementos para produzir uma unidade. 
Considerando essa definição básica, compreende-se texto como referente a qualquer enunciado (gráfico, escrito ou sonoro) que possibilita a produção de sentidos cuja construção se encadeia por meio de suas teias, tramas e construções, de modo a constituir um todo significativo por meio do qual se realizam as interações, isto é, da compreensão de texto como espaço de interação.
Assim entendido, um texto caracteriza-se por meio de sua textualidade (tessitura), melhor dizendo, pelas redes de relações estabelecidas em sua composição, pela organização dos sentidos num dado contexto.
Envolve, portanto, uma série de processamentos cuja materialização se realiza em sua própria auto-textualidade. Esses processamentos são, portanto, de natureza bastante complexa, pois se estabelecem por meio de relações que envolvem, como unidade de construção a memória, o discurso, o texto e o contexto.
Então, mais do que um elemento gráfico, visual ou sonoro, o texto pode ser entendido como elemento de formulação, de textualização, em que se direciona o aspecto discursivo da linguagem. Discurso entendido como processo, como recurso para a subjetivação do sujeito e não apenas como meio de transmissão de informação.


A relação entre o discurso e o texto é a que existe entre o objeto teórico e o da análise. Por exemplo, na gramática transformacional, é a relação que existe entre a competência (objeto teórico, objeto de descrição) e a frase (unidade de análise); em Saussure, entre o sistema (a língua) e o signo. Na análise de discurso, o objeto teórico é o discurso e o objeto empírico (analítico) é o texto.  [...] (ORLANDI, 1996, p. 21)


Podemos  afirmar então que os sentidos de um texto são construídos na e pela interação e que ‘o texto enquanto unidade que se impõe sobre suas partes’ veicula várias interpretações, que se encontram não só nas marcas lingüísticas deixadas pelo autor, mas, muito mais na forma como ocorre sua formulação, ou seja, no processo de interação.
Koch (2007) afirma que o texto pode ser concebido como resultado parcial da atividade comunicativa, que compreende processos, operações e estratégias que têm lugar na mente humana, e que são postos em ação em situações concretas de interação social. A autora postula que a) a produção textual é uma atividade verbal, a serviço de fins sociais; b) trata-se de atividade consciente e criativa; c) é uma atividade interacional.
Esse postulado aponta para o fato de a atividade textual estar imbricada no complexo universo das relações humanas e que como tal não poderia ser estudado sem se levar isso em conta, uma vez que o entendimento dos contextos sociais e de produção são fundamentais à construção dos significados.
De acordo com Pêcheux 1969[1] (citado por Orlandi, 1996) é impossível analisar um discurso como texto, enquanto superfície fechada em si mesma, “mas é necessário referi-lo ao conjunto de discursos possíveis a partir de um estado definido das condições de produção.

[...] O sujeito não se apropria da linguagem num movimento individual. A forma dessa apropriação é social. Nela está refletido o modo como o sujeito o fez, ou seja, sua interpelação pela ideologia. O sujeito que produz linguagem também está reproduzido nela, acreditando ser a fonte exclusiva de seu discurso quando, na realidade, retoma sentidos preexistentes. A isso chamamos “ilusão discursiva do sujeito” (Pêcheux 1969 (citado por ORLANDI, 1996 p. 19))
[...] a seleção que o sujeito faz entre o que diz e o que não diz também é significativa: ao longo do dizer vão se formando famílias parafrásticas que significam.  (ORLANDI 1996, p. 19)


O postulado acima retoma a relação do texto enquanto propriedade discursiva por meio do qual o sujeito se auto-afirma. A esse respeito é importante observar que as condições de produção de um texto compreendem o sujeito e a situação. Assim sendo, ao se produzir um texto, produz-se significados e estes só significam num dado contexto, pois o texto enquanto discurso é um objeto sócio-histórico.
Contextualizando essa relação, retomemos o pressuposto básico de Bakhtin já citado anteriormente, em que afirma que a palavra é produto ideológico por excelência e como tal são tecidas a partir de uma multidão de fios ideológicos por meio dos quais estabelecem as tramas sociais.
Desse modo, confirma-se a complexidade do processamento textual, pois além de envolver aspectos de ordem ideológica e sócio-cultural também envolve operações psicológicas e cognitivas.



2.3 . Aspectos sociocognitivos do processamento textual


O texto vem sendo discutido enquanto propriedade discursiva por meio do qual o homem significa as coisas no mundo e também se auto significa, vinculado à concepção de linguagem enquanto atividade simbólica constitutiva do homem e de sua história.
Considerando essas discussões, e tendo em vista que este trabalho procura discutir o processo de progressão do texto escrito, segue-se à abordagem dos aspectos sociocognitivos do processamento textual, partindo-se do entendimento de texto como lugar de interação e por meio do qual se processa o discurso, isto é, o dizer. Então, antes de adentrarmos nos aspectos mais específicos do processamento textual faremos uma breve abordagem a respeito de como se produz o dizer, ou seja, como se produz o discurso.
Tomando-se a princípio seu sentido etimológico, vemos que o termo “discurso” transmite a idéia de curso, percurso, movimento, pode se entender,  então, como palavra em movimento, o que leva ao entendimento de que se realiza por meio das relações estabelecidas, isto é, pela e na interação com o outro, deixando de ser apenas um mecanismo de transmissão de idéias ou por meio do qual nos comunicamos, mas como um dos recursos que o homem se utiliza também para convencer, persuadir, inferir e realizar uma série de interações sociolingüísticas.
Orlandi (2003), ao discutir sobre o discurso, afirma que todo dizer, na realidade, se encontra na confluência de dois eixos: o da memória (constituição) e o da atualidade (formulação). E é desse jogo que tiram seus sentidos. Por constituição a autora refere-se àquilo que já foi dito e que se encontra esquecido na memória e por formulação entende-se aquilo que esta sendo dito na atualidade, naquele momento em que está se processando o texto.
Ainda segundo a autora o trabalho ideológico é um trabalho de memória e do esquecimento, pois é só quando passa para o anonimato que o dizer produz seu efeito de literalidade. Entende-se assim que, na medida em que o homem interage socialmente, vai adquirindo experiências lingüísticas e sociais as quais ficam armazenadas em sua memória e na medida em que realiza suas formulações textuais se ancora nestas experiências (caídas no esquecimento) para reformular ou produzir novo discurso.
Essas formulações referem-se às relações de textualidade que se constitui nas interações sociais, portanto, dotadas de dinamicidade, pois mudam conforme contextos lingüísticos, culturais e sociais em que se realizam. Desse modo, aprender a formular um texto implica também em saber como se processam estas formulações e os espaços sociais que as requerem.
Orlandi (2005) postula ainda que :


Na formulação há um investimento do corpo do sujeito presente no corpo das palavras [...] O momento em que o sujeito diz o que diz. Em que se assume autor. Representa-se na origem do que diz com sua responsabilidade, suas necessidades, seus sentimentos, seus desígnios, suas expectativas, sua determinação. Pois, não esqueçamos, o sujeito é determinado pela exterioridade, mas, na forma – sujeito histórico que é a do capitalismo, ele se constitui por esta ambigüidade de, ao mesmo tempo, determinar o que diz. A formulação é o lugar em que esta contradição se realiza... (ORLANDI, 2005, p. 49)


O sujeito também exerce certa autonomia em relação a sua produção, pois o processo de formulação neste ponto de vista vem a ser entendido como o meio pelo qual a pessoa se auto afirma, se constitui enquanto sujeito histórico.
Adentrando mais especificamente nos aspectos sociocognitivos do processamento textual Koch (2003) parte da ciência cognitiva, segundo a qual:

[...] o homem representa mentalmente o mundo  que o cerca de uma maneira especifica e que, nessas estruturas da mente, se desenrolam determinados processos   de tratamento, que possibilitam atividades cognitivas bastante complexas. Isto por que o conhecimento não consiste apenas em uma coleção estática de conteúdos e experiências, mas também em habilidades para operar sobre tais conteúdos e utilizá-los na interação social. (KOCH, 2003, p.37)


A autora discute esta relação a partir do pressuposto de que a mente humana é um processador de informação, ou seja, ela recebe, armazena, recupera, transforma e transmite informação; e tal informação, bem como os processos correspondentes podem ser estudados como padrões e manipulações de padrões.
 Portanto, a mente  se processaria similar à memória de um computador, sendo que o computador funcionaria de forma serial (seqüencial) enquanto que a mente humana funcionaria em forma de sistemas e subsistemas.  O que significa que os processos operados pela mente humana seriam bem mais complexos, tendo em vista o alto grau de complexidade da dinamicidade, velocidade e conjuntura com que se processam as informações.
Koch (2003) afirma ainda que a memória opera em três momentos ou fases: 1. estocagem: em que as informações perceptivas são transformadas em representações mentais, associadas a outras; 2. retenção: em que se dá o armazenamento das representações; 3. reativação: em que se opera, entre outras coisas, o reconhecimento, a reprodução, o processamento textual.
Assim sendo, as informações seriam processadas em estruturas de curta e longa duração, ao que a autora chama de MCT (memória de curto termo) e MLT (memória de longo termo), sendo que paralela a essa funcionaria uma espécie de memória intermediária – a memória operacional – cuja função seria mediar as informações entre a MCT e a MLT, seria uma espécie de canal onde se processa a aprendizagem.


[...] o conhecimento nada mais é que estruturas estabilizadas na memória de longo prazo, que são utilizadas para o reconhecimento, a compreensão de situações – e de textos – a ação e a interação social. Tais conhecimentos (ou “saberes”) são formados a partir de estados provisórios de conhecimento elaborados pela memória operacional e são resultado das nossas atividades de construção de sentido e interpretação de situações e eventos. Nesses termos é que se pode falar de aquisição ou construção de conhecimentos. (KOCH, 2003, p.40)


A autora postula ainda que dentro da Memória de Longo Termo  funcionaria ainda duas espécies de memória, a memória semântica e a memória episódica ou experiencial, na primeira se processaria as informações centrais, as categorias, os conceitos, o léxico da língua e na segunda as experiências particulares, vivências pessoais que variam conforme o contexto.
Podemos dizer então que a memória apresenta-se como um dos mecanismos principais de formulação do conhecimento, uma vez que possibilita a realização das atividades operacionais mais complexas relacionadas à produção textual, ou melhor, à realização da linguagem.
A propósito desta relação integrante da memória com o conhecimento, Koch  faz referência  a duas unidades cognitivas da memória, a unidade elementar que refere-se aos conceitos e as unidades organizacionais complexas que são os modelos.  Por conceito entende-se as unidades organizacionais que têm por função armazenar o conhecimento sobre o mundo, e por modelo, as estruturas complexas de conhecimento que representam as experiências socioculturalmente determinadas e vivencialmente adquiridas.
 Em síntese pode-se dizer que essas unidades se agrupam em unidades na memória processando informações e conhecimentos que constituirão a memória semântica das pessoas.
Segundo Van Dijk & Kintsch[2] (1983, citado por Koch, 2003) o processamento textual ocorre também por meio destas relações, ou seja, ao produzir um texto a pessoa utiliza-se estrategicamente dos mecanismos sociocognitivos, fazendo uso das estratégias de tipo procedural, isto é, do uso de vários tipos de conhecimento que temos armazenado na memória.

Quando se lê ou ouve um texto, constrói-se, na memória episódica, uma representação textual (RT), definida em termos de conceitos e proposições. Adicionalmente a essa representação mental do texto, constrói-se um modelo episódico ou de situação (MS) sobre o qual o texto versa. Para tanto, é preciso ativar na memória nossos modelos de situações similares, que conforme vimos, constituem o registro cognitivo de nossas experiências, mediatas, isto é, contém acontecimentos, ações, pessoas, enfim, todos os elementos da situação a que o texto se refere [...] (VAN DIJK & KINTSCH, 1983, (citado por  KOCH, 2003, p.45)



Portanto, o processamento textual ocorreria na medida em que se acionam, na memória, os conceitos e representações que se tem sobre o texto, com base nos modelos vivenciados anteriormente, para assim se formular a nova representação.
Os modelos são, portanto, importantes ao processo de formulação textual, pois servem de referentes para novas formulações e não apenas isso, interagem com o texto e também com os modelos de contexto, logo seu uso e compreensão são dinâmicos, definem a precisão dos discursos e a forma como a formulação textual deve ocorrer para obter a coerência.
O processamento textual ocorre com base na prescrição de um grande sistema de conhecimentos acoplados a micro sistemas que se processam, como postula Koch, de forma on line.
Com base nisso Koch (2003) cita os sistemas de conhecimentos acessados por ocasião do processamento textual: o conhecimento lingüístico, que se refere ao conhecimento gramatical e o lexical, responsável pela articulação som-sentido; o conhecimento enciclopédico ou conhecimento de mundo que se encontra armazenado na memória de longo termo, também denominada semântica ou social e o conhecimento interacional, que refere-se ao conhecimento sobre as ações verbais, isto é, sobre as formas de inter-ação através da linguagem e que engloba os conhecimentos de tipo ilocucional que permite conhecer os objetivos ou propósitos que um falante, em dada situação de interação, pretende atingir; o conhecimento comunicacional que diz respeito às normas gerais de comunicação humana; o conhecimento metacomunicativo, que se trata do conhecimento sobre os vários tipos de  ações lingüísticas,  e o  conhecimento estrutural que trata dos esquemas textuais, sua ordenação e conexão entre objetivos e estruturas globais.
A autora cita ainda o conhecimento procedural, que se trata do conhecimento de como colocar em prática a língua e funciona como uma espécie de “sistema de controle” dos demais sistemas no sentido de adaptá-los ou adequá-los às necessidades dos interlocutores no momento da interação.
Portanto, ao se realizar o processamento textual, se estabelece um plano geral de realização, que se concretiza pela realização de atividades de ordem lingüístico - cognitivas determinadas por diversos fatores. Dentre os aspectos cognitivos tem-se a relação entre o dado e novo, em que se processam estratégias de referenciação por meio das quais a informação nova busca pontos de ancoragem nas informações antigas armazenadas na memória, realizando-se assim a progressão textual


[1] PÊCHEUX, M. Analyse automatique du discours. Paris, Dunod, 1969.
[2] VAN DIJK , T. A & KINTSCH, W. Strategies of discourse comprehension. New York, Academic Press, 1983.